“A minha alegria atravessou o mar e ancorou na passarela” da minha própria história.
Eu nunca senti que faço parte do carnaval ou que o carnaval me pertence, apesar da minha profunda e genuína admiração por essa festa fascinante, o “maior show da terra”. Sempre amei o carnaval, mesmo sabendo que minha tolerância no meio de uma multidão dura no máximo desesperados cinco minutos… O mesmo vale para mega shows em estádios. Preciso de espaço para respirar, sou baixinha, não funciona, é simples. Uma pena, mas crescer é entender que não dá para ter tudo.
Não sei se o carnaval não me pertence ou se sou eu que não pertenço ao carnaval. Mas afinal, é algo para se ter?
Nasci em Apucarana, mas não sinto que minhas raízes sejam 100% paranaenses, porque cresci primeiro no interior e depois na cidade de São Paulo. Mas também nunca me senti paulistana, porque vim do sul do país. Meu pai é mineiro e minha mãe é paulistana, tenho familiares espalhados por todo o Brasil — aliás, isso sempre foi uma piada nas turnês do Barbatuques: “Alguém da família da Lu sempre está na lista de convidados”.
Sou brasileira, isso me basta. E agora sou uma brasileira em Montreal. “Tu viens d’où? Quelle langue tu parles?”
Pertencer (ou não) sempre foi um tema na minha história. Minhas irmãs me torturavam quando eu era pequena, dizendo que eu tinha sido encontrada numa lata de lixo, e eu chorava rios de lágrimas. No Barbatuques, o Fernando Barba quase não me convidou quando começamos a nos configurar como grupo artístico, bem nos primórdios (“Vôlei dos Anjos” era o nome do projeto, uma coisa bizarra). São muitos episódios ao longo da minha vida… Haja terapia! E muito joelho esfolado no asfalto da grande e maravilhosa São Paulo, cidade que mais amo, mas que nunca me senti no direito de chamar de minha.
Com a prática do canto e da percussão corporal, fui aprendendo que meu corpo é meu território e que eu mesma posso ser minha casa. Meio século de uma vida para chegar à síntese do verso da canção que eu mesma compus: “pé no chão, mão no coração.” canção Tumpá (Lu Horta) do álbum Tumpá (2012) – Barbatuques.
E hoje, domingo de carnaval, é com lágrimas nos olhos e o coração transbordando de gratidão que trago essa canção, “Tá na roda tá” (Naná Vasconcelos e Vinícius Cantuária), que tivemos a honra de gravar no nosso álbum “Ayú”(2015), com a participação mais do que especial desse mestre absoluto, um Orixá da música brasileira que é ele mesmo, Naná Vasconcelos.
Um momento histórico da nossa biografia, em que pudemos ajoelhar, bater cabeça e pedir a bênção a esse músico iluminado, que nos inspirou e ainda nos inspira tanto.
A Europa e a América do Norte vão ter que tirar muita neve com a pá para começar a entender a profundidade dessa letra e a complexidade da nossa cultura!
Viva o carnaval, viva a diversidade do Brasil, nossa arte e nossas manifestações inclusivas!!!
“Samba de nêgo é bom, samba de nêgo de saia é bem melhor.”
(Naná Vasconcelos e Vinícius Cantuária)
“A minha alegria atravessou o mar e ancorou na passarela / Fez um desembarque fascinante no maior show da terra” citação dos versos da canção “É Hoje” (Caetano Veloso).